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Curitiba (1970): pela primeira vez capital da Zoologia brasileira

Ver Currículo - Fernando C. Straube • 26 de May de 2017


Na primeira metade do Século 20, a Zoologia ainda era pouco expressiva no cenário científico brasileiro mas, mesmo assim e com grande esforço, acaba por ser realizado em 1960 o I Congresso Brasileiro de Zoologia, por iniciativa da equipe do saudoso prof. José Cândido de Melo Carvalho. O histórico conclave ocorreu nas instalações do Museu Nacional da UFRJ (Rio de Janeiro) com audiência pequena, porém, seminal. Depois dele, com regularidade ainda inconstante, ocorreu o II CBZ (UFRGS, Porto Alegre: 16 a 21 de outubro de 1961), liderado por Outubrino Corrêa e, então, o III CBZ, novamente no Museu Nacional (14 a 20 de julho de 1968), agora sob o comando de José Lacerda de Araújo Feio.

Em 1970 a capital paranaense resolveu se posicionar no cenário científico nacional. Arrumando detalhes aqui, remediando falhas estruturais ali, tomou a si o encargo de anfitrião do importante evento, que acabou realizado entre 31 de agosto e 7 de setembro daquele ano. Promovido pelo Departamento de Zoologia da UFPR, contou com o financiamento da Fundepar, Prefeitura de Curitiba e Assembleia Legislativa do Paraná, além de várias empresas particulares que se prontificaram a montar stands para venda de material óptico e outros equipamentos.

Os preparativos naturalmente tiveram lugar muito antes da data prevista. Depois de sucessivas reuniões, decidiu-se nomear Jesus Santiago Moure como presidente, sendo esse assessorado por Bernadette Lucas de Oliveira (Secretaria), Hans Jakobi (Setor de Comunicações), Jayme de Loyola e Silva (Tesouraria), Danúncia Urban e Vinalto Graf (Atividades Sociais) e Renato Contin Marinoni (Setor de Informações e Divulgação). Esse mesmo grupo, cabe ressaltar, incluía os responsáveis pela organização do recém-criado curso de pós-graduação em Entomologia, iniciado em julho de 1969 e também por dois (Marinoni e Graf) de seus primeiros alunos a defender – no ano seguinte – as respectivas dissertações de mestrado.

Com a equipe formada, a mídia curitibana colaborou com a divulgação, noticiando a chegada das primeiras comunicações científicas, enviadas por pesquisadores de todo o Brasil. A expectativa era grande e, de fato, para aquela época foi realmente surpreendente a chegada dos 97 resumos que figuraram os anais do evento, impresso artesanalmente com um mimeógrafo. Para organizar os assuntos, foram separados oito grupos temáticos, os quais eram abordados em sessões orais de 15 minutos: “Morfologia e Sistemática”, “Ecologia, Comportamento e Distribuição animal”, “Fisiologia, Bioquímica, Biofísica e Farmacologia”, “Zoologia Marinha e Límnica”, “Parasitologia e Contrôle”, “Zoogenética e Zootecnia”, “Conservação da fauna (Legislação, Caça e Pesca)” e “Ensino e Documentação”.

 O lema do congresso foi “Paleoclima e distribuição da fauna”, tema que, de acordo com os organizadores, acolheria pela primeira vez na programação de um congresso de Zoologia no Brasil uma ciência correlata (Geologia), ressaltando a necessidade de aproximação desta com todo o conhecimento zoológico que se produzia na época.

Para a divulgação, foi elaborado um belíssimo cartaz produzido com papel-cartão grosso e plastificado que circulou entre diversas universidades e instituições de pesquisa brasileiras. Medindo 63x44 cm, trazia o desenho colorido de um macho de besouro-arlequim Acrocinus longimanus, com detalhes de sombra sob fundo azul. Aderindo-se à tão ilustrativa escolha de símbolo, a Sociedade Filatélica de Curitiba decidiu realizar uma mostra de selos sobre fauna brasileira, em alusão ao “Ano Europeu de Proteção à Natureza”. Além disso, planejou – junto à então Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) o lançamento de um carimbo comemorativo estampando o magnífico coleóptero.


Cartaz de divulgação do IV CBZ (1970) (Acervo do autor).

Cartaz de divulgação do IV CBZ (1970) (Acervo do autor).


A palestra de abertura ficou ao encargo de José Cândido de Melo Carvalho que, segundo a imprensa, tratava-se de “maior autoridade nacional em assuntos de conservação da natureza”. Tinha como título “Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais no Brasil e no mundo” e ocorreu no dia 1° de setembro às 20:30 h no auditório da Biblioteca Pública do Paraná, sendo aberta ao público em geral. 


Mesa de abertura do IV CBZ (1970), tendo à frente Jesus Santiago Moure (Fonte: Diário do Paraná de 1° de setembro de 1970, p.1).

Mesa de abertura do IV CBZ (1970), tendo à frente Jesus Santiago Moure (Fonte: Diário do Paraná de 1° de setembro de 1970, p.1).


Os trabalhos do certame, porém, teriam se iniciado já antes disso: no mesmo dia, pela manhã, ocorreu a palestra “Deriva Continental”, proferida por Umberto G. Cordani, pesquisador do Centro de Pesquisas Geocronológicas da USP. Na preleção, esse estudioso afirmara que “a maior parte dos geólogos e geofísicos que se encontram pesquisando, acreditam na Deriva Continental não somente como teoria, mas como um conhecimento básico através do qual vão partir para o desenvolvimento de novas teorias sobre a dinâmica da Terra”.

Associado a esse conceito, Nelson Papavero tratou, em palestra, das “Translações continentais”, com enfoque na origem dos continentes e consequente migração de fauna. Já João José Bigarella dirigiu o simpósio sobre “Paleoclimas”, abordando a sua importância na distribuição da fauna e flora do continente americano. Nessa ocasião falou sobre “Os problemas paleoclimáticos do Quaternário no Brasil”, como também Aziz Ab’Saber (“Domínios morfoclimáticos, padrões de paisagens e tipos climáticos do Brasil”).

Além dessas comunicações, ocorreu também um outro simpósio, sobre biogeografia, que foi coordenado por Paulo Emílio Vanzolini, com temática na distribuição geográfica dos animais. Outras presenças marcantes que dividiram conhecimentos durante o encontro foram a de Wladimir Lobato Paraense (dispersão da esquistossomose no Brasil) e Warwick Kerr (“Um estudo integrado de um grupo animal: as abelhas”).

Embora a equipe de organização esperasse pela presença de pelo menos 400 participantes, o cômputo final ficou em 240 congressistas, oriundos de quase todos os estados brasileiros e de alguns países da América do Sul. Participaram desde representantes de entidades, pesquisadores e membros de sociedades científicas até estudantes e público em geral, que pagaram taxas entre Cr$ 5,00 e 30,00 pelas inscrições.

 Algumas apresentações chamaram muito a atenção pelo pioneirismo – assim como foi o próprio lema do congresso, focalizando a conservação da natureza, assunto que se fortaleceu no cenário cotidiano do brasileiro apenas duas décadas depois. Inédita, ainda, foi a palestra de Elio Corseuil, quando apresentou um programa de computador especialmente desenvolvido para a identificação de cochonilhas, elaborado em seu velho (na época moderníssimo) IBM1130.


Sessão científica durante o IV CBZ (1970) (Fonte: Diário do Paraná, 3 de setembro de 1970, p.7)

Sessão científica durante o IV CBZ (1970) (Fonte: Diário do Paraná, 3 de setembro de 1970, p.7).


Ao fim do evento, uma causalidade deixou vários congressistas decepcionados. Embora vários deles tivessem planos de visitar as Cataratas do Iguaçu em uma viagem oficial, simplesmente não havia vagas nos hotéis! Era, porém, uma situação já observada desde os últimos três meses que antecederam o congresso. Nessas épocas de feriados prolongados, acreditem, os turistas desavisados que chegavam a Foz do Iguaçu eram alojados em hospitais, escolas e quarteis... Sem contemplar as maravilhosas quedas d’água, os congressistas voltaram para casa um tanto chateados, porém, sem dúvida enriquecidos pelo contato mantido com seus pares e pelas ricas discussões que tiveram lugar naquele feriado da pequena capital paranaense. 

Concluindo, percebo que o leitor deve estar atento com algumas curiosas – e sem dúvida auspiciosas – coincidências. O próximo CBZ com data programada para 25 de fevereiro a 2 de março do ano que vem, ocorrerá na mesma Foz do Iguaçu que, felizmente, hoje em dia tem um dos melhores complexos hoteleiros em todo o Brasil. Sob comando de Fernando C.V. Zanella – veja só – terá com símbolo o mesmo besouro que o representou há 47 anos. 

Que os bons ventos do passado soprem no solo paranaense neste quase meio século desde que Curitiba foi pela primeira vez a capital da Zoologia brasileira!


Fontes: Acervo pessoal, jornais “O Diário do Paraná”, “Correio da Manhã” e “Diário da Tarde” (edições entre 14 de junho e 5 de setembro de 1970) e Jurberg (2004, Entomología y vectores 11(4)). 



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