Ver CurrÃculo - Hélcio Reinaldo Gil Santana • 14 de July de 2017
- Atualizado em 09/03/2018 -
No editorial do Boletim Informativo 118 (09/2016) da SBZ, afirmou-se que “Vale a pena repetir que a lei [13.123/15] só diz respeito a atividades de acesso ao DNA e que estudos de taxonomia morfológica, comportamento e biologia animais estão fora do contexto da lei." (grifo meu).
Esta posição parece-me não só pertinente, mas, sobretudo tem esteio lógico e normativo.
Nesse sentido, o próprio Ministério do Meio Ambiente, em publicação sobre toda a temática pertinente (http://www.mma.gov.br/images/_noticias_fotos/2018/Guia_PG.pdf), definiu que "Patrimônio genético é o conjunto de informações de origem genética dos seres vivos. Essa informação está dentro de todas as partes das plantas, dos animais e dos micro-organismos. A gente não vê essa informação, só vê o resultado dela que são os próprios seres vivos. (...)” (página 16).
Então, se essa informação está dentro de todos os seres vivos e se a gente não vê essa informação, só vê o seu resultado que são os próprios organismos, a visualização externa do ser vivo (p. ex. na taxonomia morfológica, em estudos de ecologia, comportamento e biologia das espécies, sem emprego de ferramentas moleculares e/ou de estudos do material genético), NÃO PODE realmente ser considerada acesso ao patrimônio genético!
Por outro lado, faz-se necessário buscar o apoio da correta técnica jurídica da interpretação das leis e outros diplomas legais, objeto de estudo da hermenêutica jurídica.
Nesta perspectiva, também encontro fundamentos para considerar que “estudos de taxonomia morfológica, comportamento e biologia animais” não têm subsunção à Lei 13.123/15.
A interpretação histórica busca no contexto da elaboração da lei, em normas que a precederam e a influenciaram, elementos para sua adequada aplicação em casos práticos. Nesse sentido, o conhecimento da “Exposição de Motivos” que apresentou a lei em exame é fundamental para entender o que a mesma intencionava de fato regular, coibir ou promover. A Exposição de Motivos da lei e os fatos históricos que a precederam também podem servir de fundamentos à interpretação teleológica, que é aquela que busca a finalidade da norma.
Na leitura de tal documento vê-se que os objetivos da Lei coadunam-se com os das medidas provisórias que a precederam e tiveram por fulcro a preocupação com as repercussões negativas do acesso e a remessa de componentes do patrimônio genético nacional e do conhecimento tradicional associado sem a repartição justa e equitativa dos benefícios decorrentes da utilização comercial dos recursos genéticos.
É patente que a maior preocupação regulatória ou de controle continuou ser a mesma das medidas provisórias que a precederam. Não há qualquer liame com estudos de taxonomia morfológica, comportamento e biologia animais.
Sob o ponto de vista histórico e teleológico seria verdadeiramente destoante se estes últimos estudos fossem considerados como estando no âmbito da Lei 13.123, por interpretação posterior, extensiva, que é aquela que diz mais do que originalmente previa a norma.
Não há menção em nenhum momento a pesquisas de taxonomia, ecologia, biologia, epidemiologia e/ou a estes termos na Lei em comento. A ilação de que as mesmas, quando dissociadas de estudos de DNA ou moleculares, são modalidades de acesso a patrimônio genético revela-se inteiramente imprópria quando se cuida da interpretação da presente Lei 13.123. Esta e a sua Exposição de Motivos tornam claro que não cabe qualquer extensão da abrangência originalmente preconizada à mesma. Aqui entra em jogo reconhecer com propriedade e respeitar a mens legis (o “espírito da lei”).
Nesse particular, cabe ressaltar a intenção explícita em propiciar a “facilitação da pesquisa para academia” (item 17 da Exposição de Motivos).
Sob as perspectivas histórica e teleológica, lembre-se que ainda sob a vigência da medida provisória 2.186-16, pesquisas e estudos de taxonomia, comportamento e biologia [inclusive] quando realizados utilizando-se “ferramentas metodológicas moleculares”, deixaram de se enquadrar “sob o conceito de acesso ao patrimônio genético”, por força da Resolução 21/2006 do CGEN.
Também é relevante ressaltar que a Lei 13.123 estabeleceu que o patrimônio genético é bem de uso comum do povo, fato que guarda paralelo com a Constituição, que determinou ser bem de uso comum do povo o meio ambiente (Art. 225, caput). Então, estudos com organismos da nossa biota são antes de tudo um direito dos que aqui vivem, a serem desenvolvidos sob uma perspectiva da nossa Carta Magna que garante a liberdade e a igualdade, sopesando-se todas as considerações acima e, sobretudo sem restrições ou regulação indevidas.
Em vista do exposto, considerar que “estudos de taxonomia morfológica, comportamento e biologia animais”, em que nem ferramentas moleculares serão empregadas, como modalidades de acesso ao patrimônio genético, não se coaduna tanto com os princípios da Biologia quanto com os da Hermenêutica aplicáveis ao caso, definitivamente.
Por isso tudo, no XXXII Congresso Brasileiro de Zoologia apresentou-se Moção para ser encaminhada pela SBZ ao CGEN (Conselho de Gestão do Patrimônio Genético do Ministério do Meio Ambiente), solicitando que o mesmo "Em atitude benéfica análoga à que motivou a Resolução 21/2006, emita nova Resolução ou ato normativo que: determine que estudos acadêmicos de taxonomia morfológica, comportamento, ecologia e biologia animais, nos quais não sejam empregadas ferramentas moleculares para acesso do material genético, sejam isentos do cadastramento de acesso ao patrimônio genético para os fins da mesma"[regulamentação da Lei 13.123/15].
Convido os leitores a deixarem seus comentários, opiniões e críticas!
Agradecimento: aos entomólogos Carlos G. C. Mielke e Soraya O. Zeraik pelas valorosas contribuições, sugestões e correções ao texto.
Comentários
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