Ver Currículo - Fernando C. Straube • 04 de April de 2024
Durante os oito anos que se passaram entre 1956 e 1963, existiu em Curitiba uma entidade chamada Instituto de História Natural (IHN). Sobre ela pesava o encargo de guardar e proteger uma preciosa coleção de animais empalhados e plantas secas que eram usados para pesquisas científicas, e claro, para educação, por meio de exposições permanentes. Outrora fazendo parte do Museu Paranaense (fundado em 1876), o IHN surgiu a partir da tendência nacional de separar os grandes museus de acordo com a finalidade de seus acervos. Naquele tempo, os gestores não viam mais sentido em manter os museus de história e arte junto com os museus de biodiversidade (História Natural); e foi assim que as peças biológicas apartaram-se da secular instituição cultural curitibana.
O grande desafio encontrado para preservar essa valiosa documentação não era propriamente a falta de dedicação de seus funcionários – isso havia de sobra, bem como um enorme idealismo e visão de futuro. Faltava, isso sim, uma sede que fosse apropriada para mostrar ao público as informações sobre nossa fauna e flora e também para se fazer pesquisas biológicas de qualidade. Afinal, desde o tempo em que mantinha-se sob o mesmo teto do Museu Paranaense, as coleções foram jogadas para lá e para cá, em espaços precários, mal localizados e resistindo a inaceitáveis surtos de abandono. “São peças de beleza comparável à dos museus europeus”, diziam; “testemunham a riqueza de nossa natureza e servem como matéria-prima para importantes estudos”, concluiam...
Em 1913 as condições eram péssimas no espaço alugado, denominado “Salão Tívoli” (Rua São Francisco). E foi assim que o poder público prometeu uma nova sede – condigna com sua grandiosidade – a ser construída no Passeio Público. Nada aconteceu. Para reparar o descumprimento da promessa, ventilou-se a construção de uma sede em algum lugar do Alto São Francisco. Cogitou-se, inclusive, em usar o Belvedere, onde hoje se espreme (a palavra é essa) a Academia Paranaense de Letras. Nada aconteceu. Em 1947, nossas coleções de História Natural estavam no Palacete Correa e foi assim que prometeram uma sede nova na praça Santos Andrade. Puseram até pedra fundamental. Nada aconteceu - o espaço foi entregue ao Teatro Guaíra. Em 1956, prometeram uma sede no Capão da Imbuia, onde seria instalado o já criado IHN e um jardim botânico mas, logo no ano seguinte, a Universidade quis acolher o acervo e, com isso, a sede seria nas dependências da então Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. Criou-se então o Museu de História Natural do Paraná, no âmbito universitário. Nada aconteceu e foi essa – dentre muitas outras - a primeira instituição fantasma relacionada com o acervo.
A cereja do bolo apareceria em 1961, em um dos episódios mais ilustrativos da demagogia do serviço público que, claro, contava com a ajuda inestimável de nossa imprensa. O idealizador, prestes a deixar o cargo de prefeito, passou a anunciar, desde novembro, a criação de um “Jardim Zoobotânico” a ser construído no bairro Capanema (onde hoje está o conhecido Jardim Botânico). Segundo suas palavras: “Será um sonho que se realiza” pois “a localização é excelente” e “os benefícios que o Parque proporcionará à população curitibana serão inestimáveis e virão preencher uma lacuna. Adultos e crianças terão um logradouro público para passar algumas horas em ambiente agradável e em maior contato com a natureza – prática saudável e recomendável em todas as grandes cidades do mundo”. Até aí, tudo bem...
Acontece que havia um projeto muito maior por trás de tudo: “Prevê locais para piqueniques e churrascos familiares. Terá uma estrada de ferro em miniatura, com 2 quilômetros de percurso e pretendemos, com a cooperação do Instituto de Historia Natural, ‘povoar’ os bosques com as mais variadas especies de animais empalhados [sic], alem de classificar as especies de arvores, flores e animais, de modo a proporcionar verdadeiras aulas de botanica aos visitantes. Haverá um lago para divertimentos aquaticos e um parque de diversões em condições jamais vistas em Curitiba, com todos os divertimentos do genero: ‘gran-guignol’ (marionetes), tunel da morte, montanha russa, circo infantil, etc. Os animais do Passeio Púbico serão transferidos ao parque e instalados em locais apropriados, amplos e tanto quanto possível, adaptados à natureza de cada especie. Assim, todos terão oportunidade de contemplar ursos tomando gostosos banhos em lago privativo e observar onças e outras feras, como se estas estivessem no ambiente de origem. Pensaremos, depois, em trazer para o zoo-botanico elefantes, hipopotamos e outros animais de grande porte’.
O jornal curitibano "Última Hora" (edição 155, 28 de novembro 1961, p.3) noticiou o projeto de um jardim zoobotânico em Curitiba
Pensam que acabou? Não... Em 1963, com esse projeto abandonado, os planos mudavam de novo: prometeram um prédio novo no Parque Barreirinha. Nada aconteceu. Em 1967 surgiu um projeto megalomaníaco para reunir as coleções biológicas, o Zoológico e um tão sonhado Jardim Botânico de Curitiba. Para isso, pensou-se em uma gestão entre a prefeitura e o governo do Estado. A sede? Mananciais da Serra (Piraquara). Nada aconteceu. Em 1968, um novo projeto idealizou uma fusão da entidade gestora do acervo com o IBPT (Instituto de Biologia e Pesquisas Tecnológicas – hoje Tecpar). Seria no Capão da Imbuia. Nada aconteceu. Em 1978 foi criado mais um fantasma: Museu Municipal de História Natural, implicitamente abrigando, pela Prefeitura, o acervo que era do estado do Paraná. Nada aconteceu.
Em 1986 reativaram o Instituto de História Natural, mas esqueceram de avisar a Prefeitura que já tinha a guarda das coleções, por um termo de comodato assinado em 1981. Também esqueceram de nomear um diretor e definir sua estrutura. Por outro lado já sabiam onde seria a sede: a Casa de Pedra, ou casa dos Garbers que fica lá no ponto mais alto (e mais úmido) da Estrada da Graciosa, conhecido como “Corvo”. Nada aconteceu. Em 1988, com outra canetada, criaram mais um fantasma, o Museu de História Natural do Paraná, com diretor e subdivisões (com seus chefes também). Mas, de novo, esqueceram de avisar a prefeitura. E, assim, havia dois museus para um único acervo. A ideia era boa, embora faltasse absolutamente tudo (incluindo as coleções). Nada aconteceu.
Em 1992, o prefeito resolveu criar uma exposição ao ar livre. Ao tempo em que faltava álcool para conservar os exemplares, gastou-se pequena fortuna em redomas de vidro curvo onde foram expostos animais sob a mais terrível umidade. Era o novo fantasma: Museu de História Natural do Paraná (que não era o mesmo daquele criado em 1988) que ganhou placa de bronze e tudo! Nada aconteceu. Em 2010, o novo projeto pretendia unir Zoológico e um lugar adequado para as coleções. Onde? Ali no Zoológico, perto das cavas, no Alto Boqueirão. Prédios novos, instalações adequadas. Lindo. Mas, como sabemos: nada aconteceu. Desde 2020 planeja-se a construção de um “Museu de História Natural de Curitiba”, em uma união de esforços entre Prefeitura, Estado e União. O lugar, no Guabirotuba, já está disponível e o projeto arquitetônico também. Só está faltando o resto, ou seja, tudo que é necessário para um museu de verdade.
Quando você passar na frente do Jardim Botânico de Curitiba, de agora em diante, imagine uma roda gigante ladeada por um lago onde ursos banham-se em uma tarde quente de domingo, ao som reconfortante do contato com a natureza vindo do rugido de leões e dos hipopótamos. Até quando nossas coleções de História Natural serão o elefante na sala de Krylow? Enquanto isso, o rei Shariar continua aguardando por novas histórias. Quem sabe, em algum dia, seu objetivo se consume...
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