Coleções Zoológicas

Perspectivas do Encontro para Integração das Coleções Zoológicas no XXXII CBZ

Ver Currículo - Ana Dal Molin • 05 de September de 2018


Reproduzimos abaixo o resumo do Encontro para Integração das Coleções Zoológicas, que ocorreu em 1o. de março de 2018 durante o XXXII Congresso Brasileiro de Zoologia. O livro completo dos Anais do evento está disponível para download no repositório Zenodo (link). O simpósio também foi destacado no portal iDigBio (link). O PDF deste resumo está também disponível via ResearchGate (link)

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ENCONTRO SOBRE INTEGRAÇÃO DAS COLEÇÕES ZOOLÓGICAS

ANA DAL MOLIN1, ELAINE D. G. SOARES2, LUCIANE MARINONI3
1Bolsista INCT-HYMPAR/Universidade Federal do Espírito Santo
2Universidade Federal da Integração Latino-Americana
3Universidade Federal do Paraná

in: Desafios e Perspectivas para a Zoologia na América Latina: Anais e Resumos do XXXII Congresso Brasileiro de Zoologia. Foz do Iguaçu, 25 de fevereiro a 02 de março de 2018. Dal Molin, A.; Soares, E.D.G.; Schmitz, H.J.; Faria Junior, L.R.R.; Pie, M.R.; Löwenberg Neto, P. (Eds.). Foz do Iguaçu: Sociedade Brasileira de Zoologia, 2018. p.35-38. Disponível online em https://doi.org/10.5281/zenodo.1341248 

O objetivo do Encontro sobre Integração das Coleções Zoológicas foi fornecer um fórum para discussões sobre as principais questões afetando as coleções zoológicas brasileiras, atingindo curadores, pesquisadores, funcionários, estudantes e demais interessados. A ideia central foi criar
oportunidades para facilitar a comunicação, considerando fatores que impactam o funcionamento e o desenvolvimento das coleções, identificando problemas em comum e definindo itens acionáveis. O número médio de participantes na sala ficou em torno de 68, e variou de 35 (início) a 98 (final).

Inicialmente diferentes perspectivas foram apresentadas. Deborah Paul (iDigBio - Flórida, EUA) apresentou, remotamente, a respeito da captura e digitalização de dados de espécimes de coleções biológicas. Foi dado um breve histórico de como se originou a rede de coleções iDigBio e a importância da iniciativa dos próprios pesquisadores que idealizaram a criação de coleções virtuais. A seguir, foram mostrados alguns modelos e ideias para a construção de uma comunidade de pesquisadores e outras partes interessadas, como essas redes foram implementadas, e os benefícios que este tipo de colaboração traz tanto para indivíduos quanto para as instituições. Ela também apontou importantes questões sobre uso e sustentabilidade de bancos de dados, que são relevantes para a manutenção dos depositórios digitais dessa informação e para todos aqueles que se beneficiam dos dados compartilhados por colegas através desses portais. Foi destacada a importância deste tipo de informação para aumentar a visibilidade das coleções físicas e demonstrar sua importância para a sociedade. A apresentação está disponível online (1).

A seguir, a Dra. Ana Odete Santos Vieira (UEL) apresentou o exemplo dado pela Rede de Herbários Brasileiros, apoiada pela Sociedade Botânica do Brasil. A Rede de Herbários se encontra num estágio de desenvolvimento bastante avançado, que em 2015 já ultrapassava 8 milhões de registros e 200 herbários (2). Os dados das coleções foram inicialmente mantidos separados, mas depois unificados via plataforma SpeciesLink (CRIA, Campinas, SP). Foram citadas funções importantes; por exemplo, este banco de dados permite mostrar herbários que foram transferidos e incorporados a outros, além de ter fornecido informações para a facilitar a adoção da Estratégia Global para a Conservação de Plantas,
e recomendações publicadas pelo Programa de Pesquisa em Biodiversidade (do então MCT), que embasaram a proposta do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia do Herbário Virtual. O principal desafio mencionado é a manutenção dos sistemas de informação a longo prazo, que depende de um esforço continuado.

A Dra. Carla Pavanelli (UEM) apresentou dados e números relativos ao estabelecimento e crescimento da rede TaxOnline, que tem agregado dados de coleções do estado do Paraná. Ressaltou-se o resultado do workshop promovido pela rede em 2015, que incluiu representantes das instituições, dos órgãos de fomento e políticos, e resultou uma carta dos participantes que levou ao estabelecimento de uma política formal de coleções biológicas para o estado do Paraná (3). O contexto destas informações foi expandido pela Dra. Luciane Marinoni, que apresentou uma abrangente compilação dos dados relativos a coleções no Brasil, especialmente aquelas mantidas em departamentos de universidades.

Em ambas apresentações foi destacado o problema enfrentado pela maioria das coleções que estão em universidades públicas e privadas (que constituem 63% das coleções brasileiras inventariadas até o momento da apresentação): normalmente não há um cargo de curador, ficando estas atividades adicionadas aos encargos de docentes, muitas vezes comprometendo a priorização de sua manutenção e gerenciamento, incluindo o trânsito de espécimes e atividades relacionadas a divulgação e extensão. 

Além disso, essas coleções normalmente não fazem parte do organograma das universidades, o que também limita as fontes para as quais pode-se solicitar apoio financeiro. O Dr. Carlos Lamas (MZUSP) apresentou perspectivas sobre questões que afetam museus que abrigam grandes coleções zoológicas. Ele destacou a necessidade de reafirmar a identidade institucional e o que fazem a cada mudança de administração, demonstrando o acadêmico do museu de zoologia e sua missão. Além disso, descreveu o impacto da atenção gerada pela catástrofe ocorrida em 2010 no Instituto Butantan, que resultou na exigência de vistoria do corpo de bombeiros e consequentes adequações da infraestrutura para prevenção de incêndios, as quais foram fundeadas pela USP e pela FAPESP. Finalmente, descreveu também a importância da exposição permanente, que inclui últimos resultados de pesquisas locais (descrições de espécies novas, etc.) para que o público saiba o que é feito ali, além de exposições temporárias.

Uma terceira perspectiva foi apresentada pela Dra. Luisa Sarmento Soares (Instituto Nacional da Mata Atlântica), ao relatar a experiência da conversão do Museu de Biologia Professor Mello Leitão para a condição de Instituto, os desafios encontrados, e seu crescimento. Ela relatou que o acervo cresceu 264% desde 2008, e embora a Lei 12.954 (que converteu o Museu em Instituto) (4) tivesse sido publicada em 2014, o apoio popular de organizações sociais e pesquisadores foi crucial para que fosse alcançado este objetivo, tendo o primeiro diretor sido nomeado em 2017. O Instituto funciona com um orçamento muito modesto e sem cargos efetivos. Muito do desenvolvimento é impulsionado pelas coleções e parcerias como o projeto BiodiverES, além de um forte componente de divulgação científica e simpósios. As coleções dependem fundamentalmente de pesquisadores de outras instituições, estudantes de pós-graduação, bolsistas, estagiários e voluntários.

Após as apresentações, abriu-se o espaço para discussões, agregando comentários e propostas com relação aos seguintes tópicos: 1) implicações da legislação, 2) orientações sobre infraestrutura, 3) captação de recursos e pessoal, 4) extensão e envolvimento do público, 5) digitalização e boas práticas, 6) criação de vias permanentes de comunicação entre coleções e pesquisadores interessados. Os participantes manifestaram diversas questões e sugestões a respeito destes tópicos, que resumimos abaixo.

1) Legislação. A Dra. Manuela da Silva (FIOCRUZ) reforçou a necessidade de uma política específica e unificada para coleções biológicas, como no exemplo da resolução estadual do Paraná citado anteriormente. Porém, há também a necessidade de reformulação do TTM (Termo de
Transferência de Material) e associação com o SiBBr. A Dra. Jane Costa (IOC/FIOCRUZ) mencionou as dificuldades causadas com os trâmites necessários causadas pela falta de comunicação entre órgãos governamentais, ou seja, requerendo que o curador contacte cada órgão como o ICMBio, CNPq, etc. individualmente, e muitas vezes em pessoa. Foi reforçada por diversos participantes a necessidade da discussão e ações referentes à chamada “lei da biodiversidade” (5), da atenção às publicações do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN), e da moção pela manutenção da Resolução 21 do CGEN (6), a fim de diminuir o impacto restritivo da legislação sobre a pesquisa básica em biodiversidade,
incluindo descrição de novas espécies e trânsito de material de coleções. Foi lembrado que durante este XXXII Congresso Brasileiro de Zoologia haveria uma reunião aberta promovida pela Sociedade Brasileira de Zoologia para a discussão daquela lei e seus impactos, bem como discussões em outros simpósios.

2) Infraestrutura. Diversos participantes mencionaram inadequação dos prédios em que as coleções estão mantidas e a dificuldade de obter recursos para reformas. Durante suas apresentações, a Dra. Luiza Sarmento Soares (INMA) descreveu as dificuldades causadas por enchentes e o Dr. Carlos Lamas (MZUSP) descreveu a quantidade de regularizações necessárias nos edifícios para proteção contra incêndios. Entre outras questões, foi mencionada a necessidade do AVCB (auto de vistoria do corpo de bombeiros), o qual poucas vezes é requerido de prédios que abrigam coleções. A Dra. Elaine Soares (UNILA) levantou a necessidade de um documento que contivesse normas básicas e instrucionais,
delineando condições infraestruturais mínimas visando a segurança pessoal e segurança do acervo, uma vez que mesmo para as coleções novas em que os cômodos ainda estão sendo construídos, é necessário um respaldo formal para essas orientações. As condições necessárias mencionadas incluem desde controle de temperatura e luminosidade a fim de evitar a degradação dos espécimes, bloqueio físico de pragas externas com vedação de portas, até intervenções maiores, como instalação de sensores de fumaça e extintores, luzes de emergência, treinamento para brigada de incêndio e PALT (plano de abandono do local de trabalho), e impermeabilização para prevenir proliferação de fungos em coleções em nível térreo ou subsolo. A Dra. Cátia Patiu (MN/UFRJ) lembrou também as dificuldades de se obter autorização para melhoria da infraestrutura em prédios históricos, que abrigam diversas das coleções mais antigas. Finalmente, foi ressaltado também que normas para o profissional de construção são ferramentas essenciais.

3) Captação de recursos e pessoal. Uma grande dificuldade mencionada pelos participantes é a descontinuidade de apoio financeiro, que é uma necessidade para atender a manutenção adequada das coleções. É notada uma falta de percepção de que a os serviços desejados de coleções, inclusive a digitalização dos acervos recomendada desde os anos 90 pela Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica, depende de apoio continuado e não somente pela duração do início do projeto. Novamente, foi mencionada a necessidade da definição políticas oficiais através de legislação para assegurar a continuidade desses recursos. O Dr. Carlos Lamas lembrou que o programa federal para manutenção do banco de dados nacional de espécimes, SiBBr, prevê fim dos fundos para bolsistas em 2018, por exemplo. Foi destacada a escassez de recursos federais. A maioria das coleções é sustentada por recursos de projetos via agências de fomento científico, como o CNPq, CAPES e outras FAPs. O
Dr. Fernando Vaz-de-Mello (UFMT) relatou que através da instituição foi possível obter apoio do CTINFRA/FINEP para a aquisição de compactadores para a coleção entomológica. A Dra. Manuela da Silva mencionou que esse tipo de recurso para infraestrutura poderia ser requerido também do BNDES. O Dr. Carlos Lamas mencionou a possibilidade de que recursos também poderiam ser requeridos em TACs (Termos de Ajustamento de Conduta), instrumento jurídico que visa a adequação de condutas de empresas consideradas irregulares pela legislação ambiental ou contrárias ao interesse público. A Dra. Rafaela Forzza (JBRJ) mencionou a necessidade de definições sobre repartição de benefícios. Foi lembrado que é o momento também de solicitar contrapartidas de empresas que se utilizam das coleções.

Foi destacada a necessidade da pressão pela continuidade do Programa de Capacitação em Taxonomia (PROTAX) (CNPq). Novamente, foi mencionado que para fortalecer as coleções em muitos casos é necessária a pressão para que elas sejam reconhecidas como órgãos dentro das IES, o que facilitaria a captação de recursos de fontes outras além das agências de fomento à pesquisa. O Dr. Marcelo Tavares (UFES) lembrou a necessidade de apoio a coleções menores e departamentais, que são fundamentais para se atingir o objetivo de conhecimento da fauna brasileira ressaltado em programas como o PROTAX, dando aos taxônomos formados condições de trabalhar em mais localidades do país, e não somente em grandes centros. A necessidade de formação e fixação de taxônomos em novas instituições foi reforçada pela Dra. Ana Odete Vieira (UEL/SBB) e retratada em gráficos apresentados pela Dra. Luciane Marinoni (UFPR). Foi sugerida uma via de apoio através do “apadrinhamento” de coleções menores por coleções já consolidadas a fim de estabelecer capacitação de pessoal e auxílio.

4) Extensão e envolvimento do público. A divugação científica e atividades de extensão por coleções biológicas encontram respaldo na legislação brasileira, além da Convenção sobre Diversidade Biológica das Nações Unidas, que lista entre as Metas de Aichi (2010) “tratar das causas fundamentais de perda de biodiversidade, fazendo com que as preocupações com a biodiversidade permeiem governo e sociedade”. O Dr. Hélcio Gil Santana lembrou que o art. 5 da Política Nacional de Educação Ambiental (7), que lista entre os objetivos dessa educação o “desenvolvimento de uma compreensão integrada do meio ambiente em suas múltiplas e complexas relações, envolvendo aspectos ecológicos, psicológicos, legais, políticos, sociais, econômicos, científicos, culturais e éticos” e “a garantia de democratização das informações ambientais”. O direito à educação ambiental é listado pela Constituição Federal de 1988, e importante para que se lembre constantemente que o meio ambiente pertence à  população. Além disso, o apoio popular foi mencionado como crucial para assegurar o apoio governamental em diversos momentos durante este Encontro. Assim, uma relação próxima com o público é recomendada e foi descrita positivamente por várias vezes, seja através de cursos de extensão, atividades, ou exposições mostrando os últimos resultados de pesquisas. Nesse sentido, a Dra. Jozélia Correia (UFRPE) reforçou
a importância da manutenção de coleções didáticas e de referência para promoção da visibilidade da coleção e parcerias. Foi também lembrada a importância de manter o registro de números de contatos recebidos, visitantes, e solicitações de empréstimos de material para constante demonstração das atividades da coleção.

5) Digitalização e boas práticas. A produção de documentos e manuais de boas práticas para captura de dados para bancos de dados primários de biodiversidade representados em coleções, além da manutenção e gerenciamento, é uma necessidade premente. Novamente este tópico se relaciona com os argumentos fornecidos no item 3, tanto com relação à capacitação quanto à dedicação de pessoal. Muitas vezes essas atividades acabam sendo conduzidas por bolsistas temporários. Como a maioria das coleções não pode contar com curadores em dedicação exclusiva, são comuns os relatos de dificuldades de contato com os curadores para agendar visitas, empréstimos e fotos de alta resolução.
A Dra. Cecília Amaral sugeriu a construção de um grupo de interesse que se reúna para discutir essas recomendações de boas práticas, infraestutura, e capacitação para coleções zoológicas.

6) Criação de vias permanentes de comunicação. Tendo em vista as questões discutidas durante este encontro, os participantes reconhecem a necessidade da abertura de canais de comunicação eletrônica para agilizar a discussão por tópico e possível elaboração de documentos de referência para auxílio à comunidade. Tais documentos poderiam sanar ao menos parcialmente dificuldades mais prementes, fornecendo informações práticas, e poderiam também levar a um acordo sobre um código de conduta, desencorajando a ocorrência de coleções inacessíveis.

Foi reconhecida a necessidade de manter abertas vias para diálogo integrando as coleções zoológicas do país. Foi sugerida a solicitação
de apoio à Sociedade Brasileira de Zoologia para a criação de uma rede de coleções zoológicas brasileiras, seguindo o exemplo da Rede de Herbários. Um grupo de 65 participantes assinou uma lista demonstrando interesse na criação de vias de comunicação online. Finalmente, ao término deste congresso, em 02 de março de 2018, durante a assembléia geral extraordinária da Sociedade Brasileira de Zoologia, foi aprovada a moção para que um Encontro de Coleções torne-se parte oficial da programação dos próximos Congressos Brasileiros de Zoologia.


REFERÊNCIAS

(1) Video arquivado em http://archive.org/details/cbzoo2018-1
(2) Vieira, A. O. S. 2015. Unisanta BioScience 4(7):3-23.
(3) Estado do Paraná, Conselho Estadual do Meio Ambiente (CEMA): Resolução Nº 101, de 25 de Setembro de
2017. http://www.cema.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=137
(4) Presidência da República, Casa Civil, Lei Nº 12.954, de 5 de fevereiro de 2014.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/L12954.htm
(5) Presidência da República, Casa Civil, Lei Nº 13.123, de 20 de maio de 2015.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13123.htm
(6) Ministério do Meio Ambiente, Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN): Resolução Nº 21, de 31 de
agosto de 2006. http://www.mma.gov.br/estruturas/sbf_dpg/_arquivos/res21cons.pdf
(7) Presidência da República, Casa Civil / Ministério do Meio Ambiente, Lei Nº 9.795 de 27 de Abril de 1999.
http://www.mma.gov.br/port/conama/legiabre.cfm?codlegi=321

 

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