Coleções Zoológicas

A renovação das borboletas e as coleções biológicas

Ver Currículo - Fernando C. Straube • 04 de June de 2020


 

O Brasil, com justiça, é considerado um dos países mais ricos em biodiversidade em todo o planeta. Essa afirmação parece um “lugar-comum”, que pode ser lido e relido em publicações de todo o tipo. Porém, além dela nos despertar orgulho, também suscita a nossa dúvida com relação ao quanto sabemos sobre essa tão expressiva riqueza e o quanto compreendemos a respeito de seus fenômenos mais básicos.

Todos temos consciência de que nossa biodiversidade ainda é pouco estudada e muito menos conhecida e, obviamente, estamos muito longe de termos uma noção, ainda que aproximada de quantos e quais organismos ocorrem no Brasil. Isso fica ainda mais complicado se considerarmos o volume inacreditável de novas espécies que têm sido descritas nos últimos anos, muitas delas reveladas por detalhes extremamente sutis, invisíveis aos nossos olhos.

Atualmente se conhece em torno de um milhão (podendo chegar a mais de 30 milhões) de espécies de insetos, o maior grupo zoológico que, pelos números, é superlativo quando se fala em riquezas. Deles, há no Brasil um número aproximado de 100 mil espécies descritas e, de acordo com o “Catálogo Taxonômico da Fauna do Brasil” estão listados 84.397 nomes válidos, porém, nem todos foram ainda adicionados ao banco de dados dessa iniciativa. Os lepidópteros (borboletas e mariposas) abrigam cerca de 18 mil espécies no mundo, sendo que algo em torno de 4.500 delas estão presentes no território brasileiro, ou seja, um quarto da riqueza mundial!

Mas, acredite, tais estimativas estão muito distantes de serem perfeitas e, a julgar a trajetória das pesquisas em curso no país, é possível que demoremos ainda muitas e muitas décadas para ter um valor minimamente aceitável. Esse é o primeiro panorama a ser assimilado, antes de qualquer incursão para outros assuntos: temos uma megadiversidade e conhecemos apenas uma pequena parte dela!

Talvez por desconhecermos tanto é que uma verdadeira febre de pessoas interessadas em borboletas e afins tem surgido nos últimos anos. E não é à toa. Esses insetos sempre despertaram um grande fascínio entre humanos, visto que não somente belas e coloridas, levam consigo uma metáfora de renovação. Graças a isso é que atualmente se nota uma crescente parcela da população mostrando interesse por esses formidáveis insetos.

É um fenômeno semelhante ao que já ocorre com as aves e com a surpreendente – e muito bem-vinda - multidão de observadores e fotógrafos que tem surgido em proporções exponenciais por todo o país. De fato, borboletas e aves se aproximam muito pela cativação que despertam, o que tem resultado, ao longos de séculos, um interesse desproporcional ao que se observa para a maioria de outros grupos animais. Digamos, com certo exagero, que borboletas são as orquídeas da fauna... 

Tal como o significado simbológico desses interessantes insetos, observa-se que há, de fato, uma renovação em curso e é sobre esse fenômeno que irei tratar neste texto. Busco o bom senso de todas as partes e, infelizmente para alguns, trago verdades que não podem ser omitidas.

 

Novas ferramentas, velhas discussões

Conheci há várias décadas o Haroldo Palo Júnior (1953-2017), por quem nutri grande admiração e mantive amizade próxima. Um de seus projetos de vida, realizado com um esforço sobrehumano, foi o lançamento do espetacular livro “Borboletas do Brasil”, em três volumes. Segundo ele sempre dizia, parecia inaceitável que um país tão rico e biodiverso fosse ao mesmo tempo tão desconhecido. Em suas excursões para obtenção de imagens, ele sentia muito com a carência de obras que permitissem a identificação de grupos muito chamativos e vistosos de animais e plantas. Graças a  isso, arregaçou as mangas e decidiu fazer ele mesmo uma obra que permitisse a qualquer um identificar uma grande parte das borboletas brasileiras. 

Certamente ele sabia que sua obra iria se tornar, em pouco tempo, um divisor de águas para a prática da chamada lepidopterologia amadora em nosso país. Afinal, a informação, antes inacessível para a maioria as pessoas, limitou por muito tempo o desejo de leigos interessados no assunto e, de uma hora para outra, apareceu um guia espetacular, com imagens belíssimas e uma apresentação perfeita para qualquer pessoa que desejasse se iniciar na identificação desses insetos.

Há algum tempo já víamos aparecer na rede mundial de computadores, alguns sites especializados com apresentações similares, facilitando a vida de quem quer e gosta de identificar espécies. Eu mesmo, um diletante ocasional desse assunto, visitava com frequência alguns deles como o “Net Nature” e suas fotos de borboletas paulistas, o “Borboletas e mariposas”, organizado por Ivo Kindel e, naturalmente, o notável “Butterflies of America” editado por vários lepidopterólogos norte-americanos. 

Neste ano de 2020, nossa estante temática sobre as borboletas foi enriquecida com o lançamento de um livro, de autoria de Elton Orlandin, Mônica Piovesan e Eduardo Carneiro, denominado “Borboletas do Meio-Oeste de Santa Catarina: história natural e guia de identificação”. Essa preciosa obra é fruto de vários anos de pesquisa de campo e gabinete, de estudo bibliográfico e laboratorial, de exame de coleções e organização de literatura. Conta não somente com belíssimas fotos, mas também com dados biológicos (fenologia, plantas hospedeiras) e morfológicos indispensáveis para a identificação.

Para mim, adotando uma visão mais crítica, as imagens ali mostradas expõem algo incomum nas demais fontes que já consultei: quando possível, temos fotos da espécie em vida livre e, ao seu lado, de exemplares de museu. Conhecendo o trabalho dedicado dos autores, percebo que essa sutileza não é por acaso. Ela tem o propósito de mostrar que, em seu hábitat natural, muitas borboletas ocultam detalhes importantes para a identificação, o que pode ser suprido por uma observação do espécime montado protocolarmente em uma coleção. Indo adiante na leitura, isso fica confirmado pelo capítulo especial – leia-se estratégico – “Importância das coleções científicas”, de onde colhi o trecho:

 

"Os museus de história natural, onde estão depositadas as coleções científicas, têm como função principal armazenar, preservar e ordenar o acervo de espécimes representando a diversidade biológica de organismos (fósseis e atuais) que povoaram o planeta até os dias de hoje. Tradicionalmente, os usuários destas coleções são taxonomistas que identificam, nomeiam e classificam as espécies e, sistematas, que estudam a diversidade da vida no passado e no presente5. No entanto, a importância das coleções e sua função vão muito além. Espécimes depositados em coleções científicas são registros, muitas vezes únicos, de variação morfológica e molecular e da distribuição geográfica. Somente nas coleções científicas encontramos representantes de organismos que já habitaram os ecossistemas, mas que atualmente estão ex-tintos, seja pela própria dinâmica da natureza, seja pela ação do homem, que altera os ambientes naturais de forma irreversível. O material oriundo de pesquisas, depositado em coleções científicas, serve como testemunho, garantindo assim a reprodutibilidade desses estudos, uma das principais premissas da ciência. Essas coleções são também fonte de dados verificáveis para monitorar a saúde, distribuição e mudanças nos fenótipos de espécies de diferentes grupos de animais e plantas ao longo do tempo”.

 

Apesar dessas palavras tão claras, objetivas e indiscutíveis e de um consenso secular sobre o que se conhece por ciência de fato, temos observado alguns descaminhos a esse respeito. Afinal, de uma hora para outra se multiplicam as pessoas interessadas nesse grupo e, mesmo sem terem muitas delas o conhecimento sobre as características diagnósticas mais fundamentais, apareceram novos especialistas por toda a parte, sugerindo que bastaria colher imagens e divulgar em redes sociais ou em sites de ciência cidadã para receber uma indefectível determinação por binômio.

Graças a esse trabalho muito mais fácil do que aquele que obrigatoriamente deve ser feito, surge também quem diga, inclusive, que museus são entidades ultrapassadas que se valem de métodos obsoletos e, por esse motivo, que não faz sentido algum que sejam mantidos ou ampliados. Essa, porém, não pode ser considerada uma opinião; é uma afirmação tola e inconsequente.

A identificação de muitos grupos de lepidópteros não é tarefa simples como pode parecer. E não é preciso ser especialista para confirmar isso, inclusive pela consulta à literatura técnica, que mostra como tudo deve ser feito, para não incorrer em erros – alguns deles difíceis de serem futuramente corrigidos. A coloração chamativa, não à toa similar entre várias espécies justamente para confundir predadores, também acaba despistando o caminho correto seguido por aqueles que pretendem chegar a uma identificação correta. Afinal, para muitos grupos de borboletas é necessário um exame que vai muito além das cores das asas de um ou outro flagrante fotográfico. O procedimento exige análise de vários exemplares e, ainda, obriga o estudioso a avaliar estruturas anatômicas (como genitálias) e inclui dissecções e minuciosas observações de estruturas microscópicas. E isso, naturalmente, não pode ser visto em fotos.

E vamos além: quando espécimes são cuidadosamente examinados por especialistas, não é raro que sejam distinguidas duas ou muitas espécies entre um lote no qual se julgava haver apenas uma. Tais descobertas, possíveis apenas por meio de coleções, decorrem não somente pelo reexame mas, também, da aplicação de novas tecnologias de análise de DNA que podem detectar, sob uma visão refinadísima, um grupo de múltiplas espécies que, aos nossos olhos, pareciam ser idênticas!

 

A borboleta Hesperiidae Zenis minos fotografada na natureza (acima) e a partir de um exemplar de museu, em vista dorsal e ventral (abaixo); ao centro da prancha, a espécie críptica Zenis jebus. Fotos: Elton Orlandin, uso autorizado.

 

A imagem acima mostra um confronto entre uma foto colhida na natureza (no alto) e duas possibilidades de identificação por exemplares de museu: Zenis jebus (no centro) e Zenis minos (embaixo) sendo que esta última é que, de fato, se trata da identificação correta. Note-se que uma foto desse tipo de borboleta em sua posição normal de pouso, nem sempre mostra as características diagnósticas para o reconhecimento da espécie. Assim, o registro, por ser fugaz e dificultando que sejam evidenciados os detalhes necessários, pode perder-se para sempre e com ele se vai a sua confiabilidade. Somente exemplares de museus permitem o exame e reexame em várias dimensões, quantas vezes forem necessários, além da obtenção de outros tipos de dados, como morfométricos e biológicos.

Esse, naturalmente, foi um exemplo aleatório que, diga-se de passagem ainda permite com algum esforço a visualização de diferenças entre ambas. Além desses, há inúmeros outros, ainda mais didáticos. Um deles é o de Opsiphanes invirae e Opsiphanes cassie que pousam com as asas fechadas, mas são distinguíveis respectivamente pela banda submarginal e marginal localizada na face dorsal da asa posterior, algo que, portanto, pode ser visualizado apenas sob condições muito especiais. Também pode-se mencionar várias espécies do gênero Adelpha, que apresentam mimetismo de escape, resultando em um mesmo padrão na face dorsal das asas, entre diferentes espécies. Pousadas, geralmente o fazem com as asas abertas, o que torna impossível a identificação sem observar o padrão ventral, esse sim diagnosticável.

Se cabem ainda outros exemplos, enumero a expressiva quantidade de espécies que são totalmente impossíveis de serem identificadas por imagens (ainda que disponíveis as visões dorsal e ventral) e mesmo com enormes difculdades até mesmo por especialistas do grupo. São espécies crípticas que os especialistas só podem determinar com a precisão desejada após exame de genitália, como nos casos de diversas borboletas das famílias Hesperiidae, Lycaenidae e Satyrinae.

 

Levantamentos

Graças a algumas das facilidades aqui apontadas, levantamentos de lepidópteros de pequenas áreas, jardins e municípios inteiros têm surgido como por encanto. E isso é bom, uma vez que conhecer e divulgar a riqueza de nossa biodiversidade é o primeiro passo para conservá-la, se me permitem mais um inevitável lugar-comum.

No entanto, a falta de consulta a obras já publicadas, algumas delas antigas e de difícil acesso, bem como a relutância pela consulta a coleções científicas irá claramente levar a uma subestimação de riqueza. Falo aqui não somente, e usando o que apresentei acima, sobre duas ou mais espécies crípticas que podem estar sendo identificadas como uma apenas. Falo também, de espécies que podem ter desaparecido desses locais, em virtude da modificação de seu hábitat. E isso não é bom. Se pretendemos ter uma noção mínima de diversidade, precisamos nos esforçar a conhecer tudo o que há disponível e isso é um trabalho que não é tão simples quanto parece.

Note-se que segundo Orlandin et al. (2020), um levantamento de borboletas com pequeno esforço amostral pode revelar a presença de 200 ou mais espécies; se feito criteriosamente conforme o protocolo científico, esse número pode ultrapassar do dobro desse valor, 500 espécies, talvez. Em algumas regiões da Amazônia, por exemplo, uma única localidade poderá chegar a abrigar 1.500 espécies!

Em outra comparação com a Ornitologia, trago o exemplo de nossa revisão da avifauna de Curitiba, publicada em 2014. Para a capital paranaense, com efeito, validamos a presença de 396 espécies, com base em levantamentos de campo realizados por 18 pesquisadores além de uma infinidade de colaboradores, na literatura e em museus de História Natural. Destaco aqui, porém, um total de quase duas dezenas que, apenas representadas por espécime testemunhais de coleções científicas, não mais foram encontradas aqui, nos últimos 20 anos. Assim, omitir as informações que estão guardadas em coleções não é apenas uma falha metodológica mas, especialmente, um deslize inaceitável no que diz respeito àquilo que subsidiará o manejo e conservação de nossa biodiversidade.

 

Coleções não são apenas importantes, como são indispensáveis para qualquer tipo de pesquisa sobre composição e diversidade que considere acuidade e precisão na identificação (Fotos: Marcos Solivan -Sucom/UFPR, do portal UFPR)

 

Perenidade e continuidade

Se seguimos com a aceitação da obrigatória análise de espécimes de museus enquanto fontes indispensáveis para um conhecimento de composição faunística, temos também de refletir sobre os nossos póprios passos aqui, neste momento. Se temos um legado deixado por séculos para que consultemos e façamos nossas próprias descobertas, é minimamente ético que pensemos também nas próximas gerações e isso, objetivamente, se traduz em: é necessário continuar ampliando as coleções - para todos os estudiosos que ainda virão.

E esse pensamento no futuro merece ainda outro tipo de reflexão: a perenidade. Museus existem há séculos e, bem ou mal administrados, carregam consigo o princípio de armazenamento perene e domiciliado, sujeito ao controle de toda uma equipe especializada. Documentação virtual, e o fato de estar disponível a todos a qualquer momento e em qualquer lugar, não significa muita coisa. Redes sociais, formidáveis para a divulgação, registro e guarda de mídias, vão e vem. Orkut durou pouco mais de uma década e o Facebook, surgido para substitui-lo, já completou 15 anos e, mesmo com dois bilhões de usuários, já começa a dar sinais de fadiga. Instagram já tem oito anos, mas também parece estar saturando. Também há muitas outras: Twitter, LinkedIn, Pinterest, Tumbrl... E maior parte das pessoas sequer sabe de sua existência.

Da mesma maneira, portais e bancos de imagens podem ser suspensos da noite para o dia, sem nenhum aviso prévio. Sites pessoais e institucionais são reformulados e, portanto, perdem-se no ciberespaço todos os caminhos para futuro resgate de informações anteriormente divulgadas. Hyperlinks que há cinco ou dez anos nos levavam a sites específicos, têm sido alterados e não mais funcionam, tanto é que muitas revistas especializadas os têm evitado por causa dessa fragilidade. Fotografias se acumulam nos HDs, muitas vezes sem edição e sem informação resgatável; quantas delas são apagadas como um simples click?

Em suma: vivemos um momento crítico, cujo acúmulo de documentos – e de informações – chegará a uma proporção tão grande que não saberemos mais como organizá-los.

 

Ciência cidadã não pode ser anti-científica

Quem me conhece sabe que sou um admirador e entusiasta incorrigível da diculgação científica e da Ciência Cidadã. Essa minha vocação é antiga e vem do início dos anos 80, com a organização de clubes de observadores de aves por todo o Brasil. Atualmente, continuo buscando encorajar e estimular a participação de todas as pessoas em prol do conhecimento da biodiversidade, nos ambientes naturais e mesmo nas próprias casas das pessoas. Colaboro com o Wikiaves (maior portal de compartilhamento de fotos de aves em todo o mundo), com o Xenocanto e sou assíduo colaborador do iNaturalist, participando inclusive de várias campanhas desenvolvidas pelo portal. Muito além da Ornitologia, colho também meus próprios flagrantes fotográficos de outros animais  e plantas, bem intencionados mas imprecisos, como ser esperaria de um leigo.  Isso faço porque há tempos percebi que existe uma corrente muito bem-vinda para a popularização do estudo e mesmo para simples contemplação do mundo natural. E que, bem organizada, vem trazendo enormes benefícios por meio de uma via de duas mãos complementares: a das pessoas contribuindo com a ciência e esta contribuindo com as pessoas.

No entanto, também tenho observado que – além de aves e borboletas – surge quem se manifeste contrário ao que se faz tradicionalmente nos centros de pesquisa, nos museus e, afinal, por quem se dedica à pesquisa científica, tal como deve ser feita. Coletas de espécimes e sua consequente incorporação a acervos de museus tem sido criticada, muitas vezes sem uma noção muito clara das técnicas usualmente adotadas para isso e, naturalmente, sem conhecimento de causa sobre a função de coleções biológicas.

Algo que parece estimular a oposição ao colecionamento, é o desejo inato de proteção, reação que se liga tão somente ao indivíduo – geralmente os mais coloridos – e não a uma matemática básica que considere populações, história natural e, especialmente, à nossa própria ação – ainda que passiva – que resulta na alteração do meio ambiente. De acordo com uma matéria publicada pela “The Conversation”: “Haja vista sua dinâmica populacional, considerando uma única fêmea depositando centenas de ovos, a coleta de alguns poucos espécimes de borboletas, mesmo de uma pequena população, terá efeito mínimo. A única forma comprovada de levar uma borboleta à extinção é a destruição e fragmentação de seu hábitat”.

Tudo o que foi aqui apresentado mostra claramente que coletar borboletas com finalidade científica é não apenas importante como fundamental para todo o processo gradativo de conhecimento. Além disso, coloca-nos frente a frente com nossa autocrítica: quantas borboletas estamos dizimando ao reconhecer tacitamente o nosso consumo exagerado de plásticos, energia elétrica, água e uma infinidade de outros recursos que provêm da natureza? E que, naturalmente, contribuímos para que desapareçam?

 

Em busca de um senso comum

Não há duvida que futuramente – e já mesmo hoje em dia – a Ciência Cidadã terá contribuído com uma parcela enorme e indispensável de todo o conhecimento que será gerado nos próximos anos. Atualmente são milhões de pessoas dispostas a ajudar, a fotografar, filmar, gravar sons e colher todo o tipo de mídia sobre os elementos da natureza, com os mais variados propósitos. É realmente admirável observar esse tipo de manifestação espontânea e engajada aflorar por parte do mundo leigo, muitas vezes sedento de informações ou pela simples curiosidade de uma identificação.

No entanto, a Ciência Cidadã jamais poderá evoluir e chegar a patamares de uma contribuição plena, se não for atrelada a um vínculo com o mundo acadêmico que, por sua visão privilegiada, precisa estar presente no processo de geração de informações, orientando e apontando caminhos para as boas práticas. Cientistas não são caçadores, como levianamente se fala por aí. São os verdadeiros detentores do real conhecimento que leva à identificação segura das espécies, e usando coleções de museus para isso!

A verdade é que, desde que começaram a ser consideradas como os elementos mais básicos de pesquisa científica, os espécimes de museus foram examinados e avaliados de diversas maneiras, sob diferentes enfoques. Antes simplesmente como materiais para descrição morfológica (forma e cor)  e, posteriormente, como fundamento para várias outras perguntas, ligadas à evolução, ecologia e história natural. Se hoje sabemos que os estudiosos consideram tais exemplares para a mais variada gama de pesquisas é porque ao longo do tempo o conhecimento progride e, assim, variam consideravelmente as ferramentas para entender a biologia com um todo, seus fenômenos e processos mais complexos.

A falta de bom senso quanto à questão aqui discutida não é somente incômoda. Ela pode gerar consequências sérias para pessoas e grupos que surpreendentemente se dedicam à mesma causa. E, muito além de simples dissabores com relações pessoais, levarão a um problema ainda maior cuja consequência – a longo prazo – causará prejuízo à própria biodiversidade que já tanto sofre por inúmeros outros motivos. 

Prosseguir coletando espécimes, então, não significa apenas que estamos dando continuidade a uma linha de procedimentos indispensáveis que é adotada há séculos. Representa, isso sim, a nossa capacidade de aceitar o quanto desconhecidos são os organismos neotropicais e, ainda, de admitir o manancial quase infinito de respostas que enriquecem, com laços profundos, a nossa própria relação com o mundo natural.

 

Agradecimento

Sou grato a Ana Paula Caron pela cessão da foto da capa, a Luciane Marinoni pelas informações e a Elton Orlandin pela orientação e cessão de algumas fotos que ilustram esta matéria.


 

Sugestões para consulta e leitura

Catálogo Taxonômico da Fauna do Brasil: http://fauna.jbrj.gov.br/

Orlandin, E.; Piovesan, M. & Carneiro, E. 2010. Borboletas do Meio-Oeste de Santa Catarina: historia natural e guia de identificação. Joaçaba, SC, edição dos autores. Disponível online em: https://clubedeautores.com.br/livro/borboletas-do-meio-oeste-de-santa-catarina-historia-natural-e-guia-de-identificacao

Straube, F. C.; Carrano, E.; Santos, R. E. F.; Scherer-Neto, P.; Ribas, C. F.; Meijer, A. A. R. de; Vallejos, M. A. V.; Lanzer, M.; Klemann-Júnior, L.; Aurélio-Silva, M.; Urben-Filho, A.; Arzua, M.; Lima, A. M. X. de; Sobânia, R. L. M.; Deconto, L. R.; Bispo, A. Â.; Jesus, S. de; Abilhoa, V. 2014. Aves de Curitiba: coletânea de registros (2ª edição: revisada e ampliada). Curitiba, Hori Consultoria Ambiental. Hori Cadernos Técnicos n° 9. 528 + x p. Disponível on line em: https://archive.org/details/2014HCT9AvesDeCuritiba2Ed

Remsen Jr., J.V. 1995. The importance of continued collecting of bird specimens to ornithology and bird conservation. Bird Conservation International (1995)5:145-180. http://fabioschunck.com.br/site/wp-content/uploads/2016/11/Remsen_1995.pdf 

Edwards, R. Y. et al. 1985. Museum Collections: Their Roles and Future in Biological Research. British Columbia Provincial Museum Occasional Papers 25. https://publications.royalbcmuseum.bc.ca/product/museum-collections-their-roles-and-future-in-biological-research/

All you need is Biology: The importance of biological collections: https://allyouneedisbiology.wordpress.com/2019/02/10/biological-collections/

The conversation: Why we still collect butterflies. https://theconversation.com/why-we-still-collect-butterflies-41485

PHYS: Colecting biological species essential to science and conservation: https://phys.org/news/2014-05-biological-specimens-essential-science.html

Portal UFPR: Excelência UFPR: Olaf Mielke, uma vida dedicada ao estudo das borboletas: https://www.ufpr.br/portalufpr/noticias/olaf-mielke-uma-vida-dedicada-ao-estudo-das-borboletas/

 

Assista ao vídeo:

Universidade além dos muros: https://www.youtube.com/watch?v=kUNcbuQVZzk

 

 

 

 

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